outubro 11, 2010

por este amor




Por este amor, piso no que o olhar ignora
Abandono o temor na estação passada
Deslembrado no nevoeiro da memória
E posso ver o agora com a fé renovada.
.
Por este amor, exorcizo os fantasmas
Que obstinados habitam meus cantos
Saro a brecha que faz sangrar a alma
Com o bálsamo dos meus encantos
.
Por este amor, faço poesia adocicada
Dessas, que minimizam suas defesas
Porque quero as emoções escancaradas
E alicerçar de vez nossas certezas
.
Por este amor, respiro cada segundo.
Tecendo fios, que bordam nosso mundo.

agosto 20, 2010

...



.
.
.


estou
no
limite
onde os ventos se separam
e alma se distingue do espírito
com lágrima que se mistura às águas do mar salgado.
Estou no limite onde não há silêncio nem ruído
nem luz nem treva nem dia nem noite
- nem há descanso
da
madrugada
nem
rubor
do
a
l
v
o
r
e
c
e
r
nem chuva nem orvalho fresco.
Estou no limite do que se pode cantar em versos:
os pés se distanciam
da
t
e
r
r
a
e todas as energias confusas,
confundem bem e mal que se aproximam
no limite em que não há vida nem morte
nem segundo nem tempo de eternamente.
Estou no limite:
os pés puderam me trazer e atrás,
os montes verdes e as águas doces
e os pássaros
e os caminhos feitos cara de homem,
e o homem feito caminho aberto no mundo
e o vento feito sonho batendo em
r
o
c
h
a
feito deus enceguecido
e
surdo na insensibilidade

julho 04, 2010


Cativa...

Exclusivamente contigo...
As cinzas da maturidade,
consinto que a aragem carregue...
Permito-me regressar no tempo.
Ser de novo uma menina,
que crê, e que persiste
em sonhar que pode penetrar e habitar
no seu coração...
Exclusivamente pra você...
Deixo escancaradas as portas
de todos os meus segredos...
Porque esse sentimento que me toma,
e que cresce em silêncio
deixa-me convicta que a solidão não é cais...
É, no entanto é um barquinho a deriva.
Sem expectativa nem pressa alguma de se achar...
Apraz-me conviver esta insanidade...
Curioso encanto que me mantém
enclausurada e cativa desse amor...

junho 26, 2010

balões e amores...


"Eu adorava balões de gás quando era criança. Lembrando disso, aparentemente por acaso, tantos balões depois, recordo com um sentimento muito nítido o prazer macio que experimentava cada vez que ganhava um. Ficava toda prosa. Virava um pé de riso. Andava de um canto para o outro com a pontinha do dedo amarrada ao pedaço de linha que permitia que o levasse comigo e impedia que se afastasse de mim. Aquele fio era a ponte que possibilitava o nosso encontro. O recurso que me garantia que, enquanto eu o mantivesse próximo, o balão permaneceria no mesmo metro quadrado onde o meu encanto existia.

A verdade é que, apesar de tanto zelo e de geralmente, por medida de segurança, chegar a asfixiar a ponta do dedo com tantas voltas de linha, poucos foram aqueles que cumpriram o destino previsto para os balões: estourar de repente ou esvaziar devagarinho até se transformar num pedaço de borracha triste, que em nada se assemelha ao formato anterior. Na maioria das vezes, a linha se soltava da minha mão por algum descuido e eu assistia o balão voar para longe, cada vez mais longe, cada vez mais longe, cada vez mais longe ainda do meu alcance.

Eu ficava lá, coração marejado, pé de riso sem flor, acompanhando aquele voo permeado de susto e de vento. Olhar estático, vida suspensa, experimentava a impotência de flagrar o afastamento do objeto amado sem poder fazer absolutamente nada que pudesse, naquele trecho dos ponteiros, alterar o itinerário que a surpresa desenhara. Os adultos me confortavam. Prometiam outros balões, que eu sabia que viriam. Costumavam vir. Mas aquele, aquele lá, que já voava distante, pequenino ponto já sem cor definida no céu, aquele não voltaria mais. Era por aquele que a tristeza virava chuva em meu rosto. Por aquele, cujo fio da linha não consegui manter comigo. Por aquele que despertara os risos que ainda ecoavam em mim.

Depois que virei gente grande, descobri, com lucidez embaraçosa, que alguns amores se afastam do nosso alcance igualzinho ao que acontecia com aqueles balões que vi se distanciarem cada vez mais, cada vez mais, cada vez mais. No início, a gente caminha todo prosa, um pé de vida florido, pontinha do sonho amarrada ao pedaço de linha que se chama esperança. Planos de jardim com girassóis, filho contente, cachorro, horta, rede na varanda, e aquela mão segurando a nossa, estrada afora. De repente, começa a ventar o vento que tira os sonhos do lugar, que faz o fio da linha se desprender do dedo, que recolhe a ponte e deixa o abismo. Um vento soprado pela desatenção, o descuido letal para os balões e os amores.

Há um momento sem sol em que a gente percebe que o amor anoiteceu. O coração enxovalhado, ferido, está exaurido pela aflição de tanto esticar-se para tentar alcançar o fio da linha que se soltou e amarrá-lo de novo na pontinha dos sonhos. No fundo, ele sabe que não o alcançará: voa longe demais da possibilidade de alcance. Se ainda insiste, buscando impulso para pulos cansados, é porque aquele amor, exatamente aquele, ainda é tudo o que ele mais deseja. Porque não sabe onde colocará as mãos, o encanto, o olhar, depois daquele instante. Porque não lhe importa que outro amor venha ao seu encontro. É aquele, aquele lá, que ainda o descompassa.

Vida marejada, nó apertado na garganta das coisas, chega finalmente o momento em que desejamos apenas o sossego que costuma vir com a aceitação. Coragem, às vezes, é desapego. É parar de se esticar, em vão, para trazer a linha de volta. É permitir que voe sem que nos leve junto. É aceitar que a esperança há muito se desprendeu do sonho. É aceitar doer inteiro até florir de novo. É abençoar o amor, aquele lá, que a gente não alcança mais."

junho 05, 2010

Todos erramos


Minha alma desvairada
Pelas colinas corre!...
Numa corrida desenfreada
Cai no vale e morre!...
Meu espírito a acorda
Não!...Não é hora de partir
Aqui tens de ficar
Não mais do mundo fugir.
Fugir da raiva, do ódio
Incompreensão e maldade
Vangloriam-se do alto do pódium
Triste é não haver humildade!...
Grande erro!...Pobres seres...
Todos erramos,
Errados já nascemos
E errados morreremos.

Baruch haShem!



Sinto o vento,
mas sinceramente,
espero que venha trazendo
notícias amenas..

Por sua violência
tomara que sua pressa
seja a Paz anunciada
e no silêncio possamos dizer
em forma de prece:
Baruch haShem!

Tomara
que a semente
por nossos antecedentes plantada,
seja por nós,
colhida e aproveitada
como
a cura para quem está doente.

Tomara
que todos os sonhos
se unam e se tornem tão grandes
como a proteção que temos em mente.

Tomara que não seja
um sentimento bisonho
o que estou tendo
e desde já, começo dizendo:
Baruch haShem!

maio 09, 2010

é preciso dançar...


Ela entrou pelos corredores apressadamente e foi deixando os sapatos pretos pelo portão. Era preciso libertar-se, e era preciso despir-se completamente deles em busca de ritmo sensual, de vida e música, de olhos que enxerguem e percebam a delicadeza dos pés soltos – porque em cada dia ela precisava do caminho que a levasse a si mesma. E ela tinha os pés, os pés finalmente desnudos na poeticidade plena, e dela – somente dela - e não tinham marcas nem correntes.

Aqueles sapatos lançados ao chão resmungaram uma voz concentrada, como se fosse possível ouvir por intermédio deles uma voz musical distante, mas, intensa. Porque há mulheres que usam os pés para dançarem, mas, outras, usam-no para primeiro gemerem e depois para se libertarem, para darem o salto que as tire da cola asfáltica e o impulso que arrebente paredes – e muros.

É preciso ver, e enxergar, quando uma mulher tira os sapatos e os lança em qualquer canto, em qualquer chão, em qualquer lugar, ainda que tenha que pisar em solo causticante e refrescar os pés em pano umedecido, pois existe aí uma voz, um grito, uma provocação ao diálogo, daqueles diálogos de enfrentamento, de contato com o solo poético e humano, enfim, para ser o encontro com a música feito dança – a música dos pés libertos!

Sapatos lançados ao chão funcionam como as claves musicais, sobretudo, se forem pretos, pois abrem e norteiam a partitura - indevassável aos mórbidos, irreconhecível aos indolentes, inexpressiva aos cegos e impossível aos que passam, insensíveis, diante de uma mulher que se desnuda, assim, em busca da plenitude.

Quem tira os sapatos busca a leveza e o conforto de um ato libertário – busca o mar, e busca a brisa, e busca o estado de comunhão, e busca a poesia, e busca aqueles olhos que enxerguem, e busca o espaço, e busca o vento, e busca a tempestade, e busca o toque das mãos feito escultura renascentista.

Em algum ponto dos pés femininos começa o paraíso!

Ela, então, agora descoberta mulher, tirou os sapatos e os manteve ali, jogados, feito símbolo de resistência, marco de libertação, desenho melódico, expressão de inteligência, convite ao encontro dialógico pleno. Esta mulher tirou os sapatos em busca da pele, dos poros e do corpo – em busca da alma que transita pelas veias, da vida que organiza os músculos e arrebata os seios, da luz que cintila nos lábios e faz dilatar as pupilas.

A mulher tirou os sapatos porque as asas não estão em suas costas, mas, nos pés – e ela buscou asas em seus pés que a levassem para as cabanas alpinas, para beber na mão da Poesia ou, quem sabe mais próximo, ao alcance de um dedo, nas vias e pousadas andinas ou, simplesmente, para o risco de um verso possível no encontro de gente e seres apenas.

Esta mulher, tão próxima assim, com os pés soltos – sapatos jogados - pisaria uvas com intensidade, cantando e dançando por toda a noite. Ela ergueria os vestidos para pisar uvas ainda mais profundamente e, ao amanhecer, lançaria mais uvas ao lagar e continuaria cantando alegremente com os vestidos levantados, mergulhada em vinho e poesia napolitana.

abril 11, 2010


MEU HERÓI...

COMO NAS LENDAS
DE ARTHUR, VOCÊ
É MEU CAVALHEIRO...

TUA ARMADURA
RELUZENTE,
OFUSCA A
MONOTONIA,
REDUZ AS TREVAS
ÀS CINZAS,
TRAZ CONSIGO
A MAGIA DA LUZ,
DO SOL ARDENTE
EM PLENA NOITE...

MEU HERÓI,
MEU AMANTE,
MEU AMIGO,
MEU HOMEM...

INTRÉPIDO E
VORAZ GUERREIRO
DE LUZ, VOCÊ
ME CONDUZ POR
LUGARES MIL...
ULTRAPASSO AS
BARREIRAS DO
TEMPO E ESPAÇO
E ME VISTO DE
LUZ CONTIGO...

TANTOS CORPOS,
TANTAS EXPERIÊNCIAS,
TANTAS ALEGRIAS...

CALDEIRÃO NO
ALTO DA COLINA,
MISTÉRIOS
REVELANDO-SE,
FEITIÇOS DE AMOR,
AMOR AO LUAR...

MEU HERÓI,
MINHA POÇÃO
DE VIDA, MEU
MAGO PROTETOR,
MINHA ETERNA
LIGAÇÃO COM O
UNIVERSO, MEU
UNIVERSO DE COR
PRA SEMPRE, MEU
ETERNO AMOR...

janeiro 28, 2010


Mensagem à poesia

Não posso
Não é possível
Digam-lhe que é totalmente impossível
Agora não pode ser
É impossível
Não posso.

Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite
ao seu encontro.
Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar
Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo
Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte
do mundo
E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo
A saudade de seus homens: contem-lhe que há um vácuo
Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema: contem-lhe
Que a vergonha, a desonra, o suicídio, rondam os lares, e é
preciso reconquistar a vida
Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos
os caminhos
Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso
Ponderem-lhe com cuidado - não a magoem... que se não vou
Não é porque não queira: ela sabe; é porque há um herói num
cárcere
Há um lavrador que foi agredido, há uma poça de sangue numa
praça.
Contem-lhe, bem em segredo, que eu devo estar prestes, que meus
Ombros não se devem curvar, que meus olhos não se devem
Deixar intimidar, que eu levo nas costas a desgraça dos homens
E não é o momento de parar agora; digam-lhe, no entanto
Que sofro muito, mas não posso mostrar meu sofrimento aos
Homens perplexos; digam-lhe que me foi dada
A terrível participação, e que possivelmente
Deverei enganar, fingir, falar com palavras alheias
Porque sei que há, longínqua, a claridade de uma aurora.
Se ela não compreender, oh, procurem convencê-la
Desse invencível dever que é o meu; mas digam-lhe
Que, no fundo, tudo o que estou dando é dela, e que me
Dói ter de despojá-la assim, neste poema; que por outro lado
Não devo usá-la em seu mistério: a hora é de esclarecimento
Nem debruçar-me sobre mim quando a meu lado
Há fome e mentira; e um pranto de criança sozinha
numa estrada
Junto a um cadáver de mãe; digam-lhe que há
Um náufrago no meio do oceano, um tirano no poder, um homem
Arrependido; digam-lhe que há uma casa vazia
Com um relógio batendo horas; digam-lhe que há um grande
Aumento de abismos na terra, há súplicas, há vociferações
Há fantasmas que me visitam de noite
E que me cumpre receber; contem a ela da minha certeza
No amanhã
Que sinto um sorriso no rosto invisível da noite
Vivo em tensão ante a expectativa do milagre; por isso
Peçam-lhe que tenha paciência, que não me chame agora
Com a sua voz de sombra; que não me faça sentir covarde
De ter de abandoná-la neste instante, em sua incomensurável
Solidão: peçam-lhe, oh peçam-lhe que se cale
Por um momento, que não me chame
Porque não posso ir
Não posso ir
Não posso.

Mas não a traí.
Em meu coração
Vive a sua imagem pertencida, e nada direi que possa
Envergonhá-la. A minha ausência
É também um sortilégio
Do seu amor por mim. Vivo do desejo de revê-la
Num mundo em paz: Minha paixão de homem
Resta comigo; minha solidão resta comigo; minha
Loucura resta comigo. Talvez eu deva
Morrer sem vê-la mais, sem sentir mais
O gosto de suas lágrimas, olhá-la correr
Livre e nua nas praias e nos céus
E nas ruas da minha insônia. Digam-lhe que é esse
O meu martírio; que às vezes
Pesa-me sobre a cabeça o tampo da eternidade e as poderosas
Forças da tragédia abatem-se sobre mim, e me impelem para a treva
Mas que eu devo resistir, que é preciso...
Mas que a amo com toda a pureza da minha passada adolescência
Com toda a violência das antigas horas de contemplação extática
Num amor cheio de renúncia. Oh, peçam a ela
Que me perdoe, ao seu triste e inconstante amigo
A que foi dado se perder de amor pelo seu semelhante
A que foi dado se perder de amor por uma pequena casa
Por um jardim de frente, por uma menininha de vermelho
A quem foi dado se perder de amor pelo direito
De todos terem uma pequena casa, um jardim de frente
E uma menininha de vermelho; e se perdendo
Ser-lhe doce perder-se...
Por isso convençam a ela, expliquem-lhe que é terrível
Peçam-lhe de joelhos que não me esqueça, que me ame
Que me espere, porque sou eu, apenas seu; mas que agora
É mais forte do que eu, não posso ir,
Não é possível
Me é totalmente impossível
Não pode ser não
É impossível
Não posso.

Vinicius de Moraes
(1913-1980)

janeiro 14, 2010


Incêndio

Quando estive presa
na torre mais alta
do castelo da bruxa má,
o homenzinho louro
quis, gentilmente,
salvar-me.
Trouxe-me pedras raras,
contou-me suas histórias de valência,
falou-me cor-de-rosa
sobre o mundo desconhecido,
beijou-me a testa cautelosamente.
Fez-se príncipe lindo para mim
- logo para mim que,
não sabia ele,
cultivava o desgosto pelo belo
desde quando se perdeu minha coroa
nas tantas noites,
genuinamente prazerosas,
que tive com o dragão mau e feio,
mas cujas narinas incendiariam o país.

 
©2007 '' Por Elke di Barros